quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Aprendimentos


O filósofo Kiekegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer.

Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia nada.Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza.



Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele um caracol vejetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs.

E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos.Estudara nos livros demais.


 Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das suas origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!


Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles - esse pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova.
Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que achava para renovar sua poesia.



Os mestres pregavam que o fascínio poético vem das raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas são donzelas. E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela. O que de mais eu sei sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.




Memórias Inventadas - Manoel de Barros, 2008




sábado, 26 de novembro de 2011

Um olhar



Eu tive uma namorada que via errado. O que ela via não era uma garça na beira do rio. O que ela via era um rio na beira de uma garça. Ela despraticava as normas. Dizia que seu avesso era mais visível do que um poste.




Com ela as coisas tinham que mudar de comportamento. Aliás, a moça me contou uma vez que tinha encontros diários com as suas contradições. Acho que essa frequência nos desencontros ajudava o seu olhar oblíquo.


Falou por acréscimo que ela não contemplava as paisagens. Que eram as paisagens que a contemplavam. Chegou de ir no oculista. Não era um defeito físico falou o diagnóstico. Induziu que poderia ser uma disfunção da alma.


Mas ela falou que a ciência não têm lógica. Porque viver não tem lógica - como diria a nossa Lispector.

Veja isto: Rimbaud botou a Beleza nos joelhos e viu que Beleza é amarga. Tem lógica? Também ela quis trocar por duas andorinhas os urubus que avoavam no Ocaso de seu avô. O Ocaso de seu avô tinha virado uma praga de urubu. Ela queria trocar porque as andorinhas eram amoráveis e os urubus eram carniceiros. Ela não tinha certeza se essa troca podia ser feita. O pai falou que verbalmente podia. Que era só despraticar as normas. Achei certo.



Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros/iluminuras de Martha Barros. - São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008.página 103.

Manoel de Barros

sábado, 29 de outubro de 2011

Como fazer a arte ser arte?

Para que a arte seja arte, ela deve ser algo inusitado, de aparência única, que nesses casos dependem da originalidade do artista.

Tudo isso se remete ao fim lógico que é de transmitir uma mensagem ou fazer uma denúncia como forma de protesto sobre qualquer assunto que possa ser abordado.


Para entender tais obras, não precisa só olhar indiferentemente, mas sim questionar, pesquisar e prestar muita atenção no que está vendo.


O artista Damien Hirst nos mostra que arte que é arte pode ser feita com qualquer material.


Uma vaca e um bezerro empalhados, exemplo claro que para ser arte, as coisas mais "simples" tem valor superior ou igual às grandes obras.


O foco da situação da exposição, talvez  nos remeta a pensar no meio ambiente.  Que surpreende o ego do observador, começando a oscilar por sua vez.


Não como obra de arte de matéria e significado, mas sim um pólo aquém e um pólo além dos limites de seu ego.



Com tudo isso faz com que quem observa entre em um círculo vicioso e infinito.



Que cada um tem que descobrir por sí próprio.


Gisele Cristina Marin
Exposição EM NOME DOS ARTISTAS
Parque Ipirapuera - Portão 3
30 de setembro - 4 de dezembro de 2011
Terça a domingo: 9 às 19H
Ingressos: R$ 20,00 -
Meia-entrada: R$ 10,00
GRÁTIS AOS DOMINGOS

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Juventude



A mocidade está vibrando
Sobre aspirações reclusas.
Há um estigma de estrela
E um sonho dissoluto,
Há uma caixa de música, (hipotética).
Há um tentáculo de rosa sedenta
No limiar do tempo, sazonando o fruto.



Há uma esperança de um colorido profundo:
Esmeraldas com ápices de brilho
Ostentando presságios.


1º Festival de Vídeos do CEU Sapopemba - 1º lugar - Júri Popular

Onde houver opulência haverá mocidade,
Porque tudo é água,
É primavera em todos os climas.


CEU Sapopemba - 11/09/2011

A silhueta fêmea é arte na tela,
Em cada beleza um signo,
Uma simbologia chinesa,
Num rastro de enigmas.


1º Festival de Vídeos - CEU Sapopemba - 1º lugar - Votos da Internet



A pulsação de terremotos
Em ósculos contidos.
Mocidade: libertação e obstáculo.

*do livro: Flor de tudo de Delmo Biuford
 

domingo, 4 de setembro de 2011

Fenêtre

Penso que um dos objetos mais maravilhosos criado pelo homem tenha sido a janela...


É muito gratificante ouvir o som do Sol penetrando pelas frestas nas manhãs de domingo...



Sentir o cheiro de claridade...


Pensar em mulheres do interior debruçadas nos batentes observando o exterior...


Ver passar pelas ruas o tempo, sentir o espaço...


Penso que este objeto nos remete a provar novas experiências...


Abri-lo é poder se encantar com o desconhecido...



As cortinas que dançam lentamente nos finais de tarde nos traz o cheiro de café de minha infância



Que quando não mais criança eu pulava por este vão que me dava de mão beijada o mundo...



Proponho!


Devíamos todos dormir com as janelas abertas, talvez os segredos se perderiam, talvez nos tornássemos mais íntimos, talvez mais próximos, enfim...


Talvez mais amigos.

Francisco Beltrão






domingo, 31 de julho de 2011

Uma didática da invenção

As coisas que não existem são mais bonitas
FELISDÔNIO

I

Para apalpar as intimidas do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca
b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois       lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro
etc
etc
etc
Desaprender oito horas por dia ensina os princípios

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

III

Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

IV

No tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras.

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

VI

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças.

VII

No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.

VIII

Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso partir de um torpor animal de lagarto às três horas da tarde, no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

X

Não tem altura o silêncio das pedras.

XI

Adoecer de nós a Natureza:
- Botar aflição nas pedras
(Como fez Rodin).

XII

Pegar no espaço contiguidades verbais é o mesmo
que pegar mosca no hospício para dar banho nelas.
Essa é uma prática sem dor.
É como estar amanhecido a pássaros.

Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode modificar os seus gorjeios.

XIII

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul -
Que nem uma criança que você olha de ave.

XIV

Poesia é voar da asa.

XV

Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de um primal deixe um termo erudito. Aplique na aridez intumescências. Encoste um cago ao sublime. E no solene um pênis sujo.

XVI

Entra um chamejamento de luxúria em mim:
Ela há de se deitar sobre o meu corpo em toda a espessura de sua boca!
Agora estou varado de entremências.
(Sou pervertido pelas castidades? Santificado pelas imundícias?)

Há certas frase que se iluminam pelo opaco.

XVII

Em casa de caramujo até o sol encarde.

XVIII

As coisas da terra lhe davam gala.
Se batesse um azul no horizonte seu olho entoasse.
Todos lhe ensinavam para inútil
Aves faziam bosta nos seus cabelos.

XIX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.

XX

Lembro um menino repetindo as tardes naquele quintal

XXI

Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais ou no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorãça, mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
- Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
- Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
Ou no verso das folhinhas:
- Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
- Coisa que não acaba no mundo é gente besta e pau seco.
Etc
Etc
Etc
Maior que o infinito é a encomenda.

...

O livro das Ignorãças/Manoel de Barros.Editora Best Seler Ltda. 2008 - 





quarta-feira, 27 de julho de 2011